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“Evangélicos não deveriam ter apoiado Bolsonaro”, diz pastor que trabalhou com Damares

O governo Bolsonaro acabou várias vezes. Para mim acabou em março de 2020, no começo da pandemia. E depois foi acabando de novo, e de novo. Acabou oficialmente e pela última vez no dia 30 de outubro do ano passado,

“Evangélicos não deveriam ter apoiado Bolsonaro”, diz pastor que trabalhou com Damares

Os bolsonaristas radicais, no entanto, depois de meses de incitação do presidente e de uma legião de influenciadores, ocupando o espaço de sua omissão, o fizeram: levaram adiante a paixão golpista, às manifestações nos quartéis e agora à quebradeira e ao crime simbólico, violando as sedes dos três poderes. E esse final foi diferente para mim.

Publicado por Diario do Centro do Mundo – Guilherme Carvalho, é teólogo e pastor da Igreja Esperança em Belo Horizonte, diretor de L’Abri Fellowship Brasil e diretor de conteúdo do projeto Cristãos na Ciência. Ele trabalhou com Damares Alves no Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, mas afastou-se no início da pandemia, no começo de 2020, por discordâncias com os métodos de atuação do governo: 

“Recebemos tudo de Tua mão, seja honra, glória, ridicularização ou insultos. Permita que recebamos uma ou outra dessas coisas com igual alegria e gratidão; há pouca diferença entre elas e para nós não haveria nenhuma se só pensássemos no que é mais decisivo: que vem de Ti” – Soren Kierkegaard

O governo Bolsonaro acabou várias vezes. Para mim acabou em março de 2020, no começo da pandemia. E depois foi acabando de novo, e de novo. Acabou oficialmente e pela última vez no dia 30 de outubro do ano passado, mas mesmo morto, ele ainda conseguiu morrer mais uma vez no último dia 8 de janeiro, com a invasão das sedes dos três poderes, e essa segunda morte foi diferente para mim.

Francamente eu não esperava por isso. Fui totalmente surpreendido. É verdade que depois de deixar o governo escrevi sobre esse perigo, diante da invasão do capitólio nos EUA, e mencionei à ex-ministra Damares Alves que um movimento para negar o resultado das eleições seria o “Rubicão” de Bolsonaro. Pedi para ela não apoiar isso de jeito nenhum. Mas alguns sinais me diziam que o homem não faria isso. De fato, ele mesmo não o fez.

Os bolsonaristas radicais, no entanto, depois de meses de incitação do presidente e de uma legião de influenciadores, ocupando o espaço de sua omissão, o fizeram: levaram adiante a paixão golpista, às manifestações nos quartéis e agora à quebradeira e ao crime simbólico, violando as sedes dos três poderes. E esse final foi diferente para mim.

Há muito tempo sou odiado pelos líderes da esquerda evangélica por haver dificultado seus avanços entre a juventude. Mas ao aceitar compor o governo, como diretor de promoção e educação em direitos humanos dentro do MMFDH, cometi o que foi para eles o insulto final. Nunca mais me deram sossego. Foi e ainda é insulto atrás de insulto.

A verdade, no entanto, é que por errados que estejam os esquerdistas em sua concepção de cristianismo e de política, os últimos estertores do bolsonarismo me fazem ver que eles estavam certos, e eu errado, sobre esse movimento. O choque de domingo me mostrou que viram a ameaça com muito mais clareza do que eu. Eu via o bolsonarismo como algo próximo do carnavalesco e de vida curta, e só.

Aliás, como amigos próximos sabem, nós víamos, sim, um elemento perigoso na direita. Mas víamos também algumas coisas muito boas e algumas possibilidades em 2019: a defesa da vida e da família, o diálogo com a diretoria LGBT, um projeto para promover capital social em escolas públicas, a promoção da liberdade religiosa; e boas ideias em outros ministérios também. Com muitos conservadores ou liberais moderados aceitando participar do governo, acolhi a expectativa de que seria possível disputar o espaço dentro da gestão Bolsonaro, e ajudar a ala mais moderada a limitar os radicais.

De fato, eu fui visto assim por lá – a ex-ministra chegou a me dizer que havia gente advertindo-a contra mim, de que eu seria um comunista infiltrado, imaginem! Porque eu falava demais em “bem comum”.

Foi, é claro, uma aposta fracassada. As coisas foram piorando ao invés de melhorar, e a impossibilidade dessa moderação se consolidou com o acidente da pandemia, que levou o paciente já doentio à fatalidade: se havia chance daquela gestão tomar juízo, ela morreu ali. À época da minha saída do governo, publiquei a minha crítica ao bolsonarismo e ao presidente, e para mim o assunto havia se encerrado ali.

Mas foi mais do que uma aposta fracassada: foi, no meu caso, um erro de discernimento; a oposição de esquerda enxergou melhor o desprezo do bolsonarismo pelas instituições, que eu subestimei antes e depois de deixar o governo, e o perigo do nacionalismo religioso. E foi mais ainda que um erro de julgamento: foi arrogância também, acreditar que os moderados conseguiriam ter influência significativa, dado o poder do núcleo ideológico, que fui aos poucos compreendendo quando em Brasília.

E o que dizer de meus críticos? Eles estavam corretos, e eu errado: dar uma chance a Bolsonaro foi um erro e ponto final. É verdade que nunca votei nele, nem em 2018 nem em 2022, porque nunca o vi pessoalmente como meu representante. Insisto, apesar de alguns acusadores, em que nunca fui bolsonarista, assim como os tucanos no governo não são lulopetistas; nunca houve qualquer traço disso nas minhas mídias sociais. Mas ainda assim, subestimei o perigo e subestimei a voz da oposição, que mesmo errada em tantas coisas, estava certa nisso. Aceitei integrar a equipe e recomendei amigos. E depois de sair do governo, despachei sem mais os críticos de esquerda que pegaram no meu pé. Fui defensivo e pouco ensinável.

Agora penso que os cristãos evangélicos não deveriam ter apoiado Bolsonaro, e eu especialmente. Não me entendam mal: não estou dizendo que votar em Bolsonaro seria pecado per se, ou que seria ilegítimo, em termos eleitorais e políticos; como escrevi em um post ano passado, “é a democracia ou a guerra”. Se não reconhecemos um candidato legítimo e seus eleitores, a democracia acabou e a eleição foi uma farsa, um teatro. Por isso ainda defendo a normalidade do voto em Lula ou em Bolsonaro. Também defendo a legitimidade de cristãos integrarem a equipe de Bolsonaro, assim como a legitimidade dos que integrarão a equipe de Lula. Mas dizer que um voto é normal e legítimo não é o mesmo que dizer que esse voto seja a escolha correta, nem é justificar tudo o que passa na cabeça de cada eleitor, nem tudo o que ele fizer depois disso.

Em outras postagens eu disse que não precisava me arrepender por vários erros do governo que de fato nunca apoiei, e que foram injustamente cobrados de mim. Em minha defesa: o eleitor petista não é culpado do petrolão (eu mesmo já votei em Lula). O manifestante de esquerda não é culpado pelo black block. O islã inteiro não é culpado pelo wahabismo, ou pelo 11 de setembro. Os evangélicos de esquerda que trabalharam no governo Dilma não são culpados pelas pedaladas fiscais. Não quero culpabilizar todo o eleitorado de direita ou de esquerda por tudo o que seus candidatos fazem.

No entanto eu tenho algo, sim, do que me arrepender. Da minha miopia, da minha defensividade e da minha surdez eu tenho que me arrepender, e me arrependo. Me arrependo de, na qualidade de teólogo (e não de mero funcionário do governo), haver transmitido a impressão, ao aceitar o convite para o cargo, de que o bolsonarismo seria de alguma forma uma boa opção para os cristãos. Me arrependo de haver generalizado a crítica à esquerda, ignorando sua ala moderada (embora já tenha admitido isso antes). Me arrependo de não haver dado importância à idolatria verdeamarelista, tanto quanto dava à idolatria vermelha. Para meus alunos no FVI: meus vieses cognitivos me alcançaram!

Tenho consciência de que isso não muda tudo. Ainda tenho minhas posições. Não estou retirando a minha crítica à esquerda, nem negando as boas razões da direita, mas reconhecendo os pontos supracitados. Quero destacar – não para ofender ninguém, mas em nome da clareza e da honestidade – que a substância da minha crítica de longa data ao progressismo nacional e à esquerda evangélica permanece, e não estou me retratando dela. Estou me retratando a respeito do bolsonarismo e reconhecendo o mérito da esquerda na crítica ao nacionalismo cristão. Mas, enfim, o momento não pede discutir erros da esquerda, e sim os meus. Estou removendo a minha trave.

Posso estar errado? Sim; mas é o que vejo neste momento. De modo que seguiremos em conflito eclesiástico, intelectual e político.

Mas se isso não muda tudo, muda alguma coisa. Já tem algum tempo que o Senhor me proibiu de odiar os meus críticos, e a tomar cuidados para não transformar divergências em pretexto para destruir reputações. Ele também me tem feito orar por meus críticos regularmente; mas além disso terei que prestar mais atenção ao que eles dizem, gostando ou não. Tanto suas críticas honestas quanto as desonestas vieram da mão do Senhor, para me disciplinar. O Senhor me mostrou que eles também podem acertar onde eu errei, e estou grato a Ele por essa vergonha.