Fortalecido em todas as frentes, o novo Bolsa Família do governo federal passou a ser, desde o mês passado, o maior programa de distribuição de renda da história do país, articulado com políticas de redução da pobreza, combate à fome, segurança alimentar e acesso à saúde e educação públicas. Moradora de Valparaíso, cidade goiana no entorno de Brasília, mãe de três filhos com idade de um a seis anos, a dona de casa Danielle Santo, de 32 anos, é um dos símbolos dos beneficiários do programa. “O novo programa trouxe dignidade para o pobre. A certeza de que meus filhos não vão passar fome e podem até ganhar um docinho de vez em quando agora ajuda a reorganizar minha vida”, conta.
Danielle é beneficiária desde 2018 e viu de perto os solavancos impostos ao programa desde que o golpe contra a ex-presidenta Dilma Rousseff, em 2016. Quando ingressou, ela recebia pouco mais de R$ 40. Em 2019, o valor era de R$ 170,00. Só no início da campanha eleitoral do ano passado, depois de mais de dois anos de pandemia, passou para provisórios R$ 600,00, patamar alcançado em decorrência de uma medida eleitoreira, que só valia até o final ´de 2022, adotada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro no desespero de tentar reverter a derrota nas urnas.
“Agora em março, o governo depositou R$ 1.050,00 na minha conta. Com as crianças na escola vou conseguir terminar o curso (de pedagogia) que fui obrigada a interromper”, diz Danielle, cuja história de vida se insere nos objetivos centrais do novo programa, conforme anunciou, no lançamento do programa, no início de março o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “A gente não está prometendo que o Bolsa Família vai resolver os problemas da sociedade brasileira. Junto com isso tem que vir uma política de crescimento econômico, de geração de empregos e de transferência de renda através do salário, que é o que importa para o trabalhador”, disse Lula, na ocasião.
Seguindo essa orientação, o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome vai recolocar de pé, com parâmetros sociais consistentes, um programa que os governos que se instalaram depois da conspiração golpistas que tirou o PT do poder, em 2016, esvaziaram. Ele vem mais vitaminado. Além da garantia, ainda no ano passado, durante a transição de governo, que o Congresso aprovasse uma Media Provisória alterando um orçamento que só previa, para 2023, R$ 400,00 e nada mais, Lula consolidou o mínimo de R$ 600,00 para cada família, acrescentou R$ 150,00 por criança de até seis anos e dois adicionais de R$ 50,00, estes destinados a família com filhos adolescentes com idade entre 7 e 18 anos e à gestante, que serão pagos a partir de junho.
Em números atualizados, o programa alcança 14,1 milhões de famílias beneficiárias a um custo de mais de R$ 14 bilhões, valores pagos já em março, uma média de R$ 670,33 por pessoa e um recorde na história do Bolsa Família em valor individual e montante – um aporte considerável para melhorar a economia via incremento do consumo. As estimativas do governo indicam que, este ano, dos 12, 4 milhões de brasileiros apontados pelo IBGE em situação de vulnerabilidade, até o final de 2022, com ganho médio de R$ 208, pelo menos três milhões passarão a ter uma renda digna e serão retirados da extrema pobreza. Com o pagamento de R$ 150,00 para cada criança até a primeira infância, foram incluídos, no mês passado, 8,9 milhões de pessoas, com injeção de mais R$ 1,3 bilhão.
Em junho, com os R$ 100,00 que serão destinados, respectivamente, para gestante e filho de 7 a 18 anos, o valor médio mensal de renda subirá para R$ 700,00 por pessoa, um recorde. Em fevereiro, eram R$ 606,91, em média. Em abril, o número de crianças de 0 a 6 anos incluídas chegou a 8.953.677, com gastos de R$ 1,34 bilhão; de 7 a 12, são 7.141.860 e R$ 348,5 milhões a serem pagos; adolescentes são 7.922.949, com custo de R$ 385,5 milhões; e, gestantes, um total de 820.401 e gasto de R$ 40,3 milhões.
De acordo com o ministro Wellington Dias, embora não totalmente desmantelado, o Bolsa Família saiu com “várias fraturas” dos governos Michel Temer e Jair Bolsonaro. A fiscalização da aplicação de recursos e da inclusão de beneficiários foi tornada frágil e as condicionalidades de acesso ao programa, fundamentais para garantir a melhoria de vida das famílias beneficiárias, haviam sido negligenciadas. Ampliado tanto em volume financeiro quanto nas exigências de acesso e manutenção, o programa não terá implicações apenas na renda família e redução da pobreza.
Dias garante que o novo Bolsa Família estará conectado com programas de segurança alimentar, melhoria no padrão das famílias que sairão da miséria e incremento na economia do país. Indicadores econômicos de várias instituições do mercado financeiro apontam que a previsão de crescimento de massas de renda disponível para as famílias, que era de 2% no ano passado, deve subir para 3,5%, em 2023, bem acima de que se projetou em anos anteriores.
Nenhum outro governante foi tão identificado com o Programa Bolsa Família como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ainda criança, como migrante que escapou da seca e da fome no semiárido nordestino, Lula conheceu de perto as dificuldades e os dilemas dos vulneráveis. Em 2003, primeiro ano do primeiro mandato pelo PT, Lula unificou vários benefícios do governo federal (Bolsa Escola, Bolsa Alimentação, Auxílio Gás, Programa Nacional de Acesso à Alimentação), aumentou os valores e deu formato ao que viria ser o Bolsa Família, incluindo os gastos no orçamento da União sob a garantia de uma lei federal (10.836) sancionada no ano seguinte.
Aliado a um consistente programa alimentar (Fome Zero, Mais Alimentos e o Programa de Aquisição de Alimentos para a Merenda Escolar), ao final do governo Lula, em 2010, o Bolsa Família contribuiu decisivamente para reduzir a pobreza em 50,64%, patamar acima da chamada “meta do milênio”, estabelecida pela Organização das Nações Unidas, e bem superior ao de seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso, que, em oito anos, com o Plano Real, atingiu 31,9%, conforme estudo mostrado à época pelo economista Marcelo Neri, da Fundação Getúlio Vargas.
Somado a outros programas sociais, ao final dos governos petistas, 36 milhões de brasileiros saíram da pobreza extrema, mudança possibilitada pela decisão política de promover o encontro entre o enfrentamento à pobreza e renovação dos programas assistencialistas, o que tornou o Bolsa Família o maior programa mundial condicional de transferência de renda. Em 2011, Lula conquistou o prêmio World Food Prize, concedido pela fundação sediada no Iowa, Estados Unidos, a personalidades públicas que deram contribuições relevantes ao combate a fome no mundo. Antecipando-se às metas da ONU, o governo Lula havia garantido que 93% das crianças e 82% dos adultos fizessem, à época, três refeições por dia. A fundação destacou que graças ao seu comprometimento e visão, Lula conseguira reduções significativas na fome, pobreza e exclusão social.
Um dos efeitos mais dramáticos do impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff, em 2016, foram os cortes nos programas sociais, especialmente no Bolsa Família, cujo valor médio, segundo estudos baseados do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), do IBGE, foi caindo de R$ 261,00, no último ano da gestão do PT, para R$ 244, em 2016. Em seguida, foi de R$ 240, em 2017, e R$ 237, em 2018, durante o governo Michel Temer.
Nos três primeiros anos do governo Jair Bolsonaro, com a mudança de nome para Auxílio Brasil, com todos os efeitos nocivos da pandemia da Covid-19, os valores permaneceram congelados, mas seguindo o mesmo ritmo de queda: R$ 235,00 R$ 229,00 e R$ 222,00. Só com a pressão do Supremo Tribunal Federal e do Congresso Nacional para que o governo adotasse medidas emergenciais, é que Bolsonaro aceitou elevar os valores para R$ 400,00, em 2022.
Esse patamar se manteve até às vésperas da eleição, quando o ex-presidente, que antes qualificava o programa de “voto de cabresto”, decidiu mandar para o Congresso a chamada “MP das Bondades”, pela qual o Auxílio Brasil passou a pagar R$ 600,00, mas com prazo de validade curto: durante três meses, no período eleitoral encerrando-se em 31 de dezembro. Foi, claramente, uma tentativa de reverter o favoritismo de Lula na eleição, mas com a maldade de não ter incluído o mesmo valor no orçamento de 2023, que, no final, foi alterado por uma nova MP, aprovada em dezembro, para garantir que o novo Bolsa Família pudesse ser reformulado.
No orçamento enviado por Bolsonaro o valor havia sido reduzido para R$ 400,00 este ano. Junto com a população vulnerável, o governo Bolsonaro incluiu como beneficiários 79 mil militares, que durante três meses, sem enfrentar o dilema do desemprego que atingiu outros brasileiros, embolsaram indevidamente o auxílio.
Um forte programa de fiscalização posto em curso no início do governo Lula contra fraudes resultou no corte de 1,5 milhão de benefícios, em março, uma economia de R$ 471,1 milhões. Essa sobra permitirá a inclusão de 700 mil novos beneficiários e a intensificação da busca ativa da população mais vulnerável, como indígenas, quilombolas, crianças em situação de trabalho infantil, pessoas em situação de rua, ribeirinhos e deficientes, grupos que normalmente vivem à margem dos cadastros.
Essa busca será feita em parceria com estados e municípios, para os quais o MDS vai aportar, em abril, R$ 199,5 milhões para revisão do Cadastro Único e as ações de busca dos brasileiros que se encontram em extrema pobreza, mas não reivindicam o benefício. Serão contratados, nos municípios, 12 mil cadastradores temporários. Em janeiro, foram injetados R$ 170 milhões no Sistema Único de Assistência Social (SUAS), o dobro do executado no ano passado, cujo objetivo é fortalecer a capacidade de planejamento dos municípios para melhorar o atendimento a pessoas vulneráveis. Esse volume será transferido ao longo de todos os meses, perfazendo um total de R$ 2 bilhões no ano.
O novo programa traz de volta pelo menos quatro condicionalidades para a concessão do benefício: realização do acompanhamento pré-natal, calendário nacional de vacinação em dia, realização do acompanhamento do estado nutricional das crianças menores de sete anos de idade e, na faixa entre quatro e cinco anos, frequência escolar mínima de 60%. Os que estão entre seis e 18 anos devem comprovar frequência mínima de 75%. Uma regra de proteção criada este ano vai garantir que a família que melhorar sua renda em até meio salário-mínimo permanecerá no programa, recebendo 50% do benefício por mais dois anos. Caso perca o emprego, ela tem retorno garantido ao programa.