O general Mauro Lourena Cid afirmou à PF ter pagado de forma fracionada ao ex-presidente Jair Bolsonaro US$ 68 mil em espécie referentes aos relógios que o ex-presidente ganhou de presente e depois foram vendidos nos EUA. Ainda segundo o general, uma das entregas se deu em um encontro pessoal dele com Bolsonaro em Nova York, em setembro de 2022, durante passagem do ex-presidente na cidade para a Assembleia Geral da ONU.
O que aconteceu
As informações constam do relatório final da PF sobre o caso das joias. Bolsonaro e mais 11 pessoas foram indiciadas por peculato (desvio de dinheiro público), lavagem de dinheiro e associação criminosa. O sigilo da investigação foi derrubado hoje pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes.
O general e seu filho, o ex-ajudante de ordens Mauro Cid, relataram entrega de dinheiro em espécie ao ex-presidente. Os valores vieram da venda dos relógios Rolex e Patek Philippe que Bolsonaro ganhou de outros chefes de Estado e que deveriam ir para o acervo presidencial.
Os bens foram vendidos nos Estados Unidos, e o dinheiro da venda ficou em uma conta corrente de Mauro Lourena Cid sediada em Miami, onde ele morava. Segundo a PF, o general, “de forma consciente e voluntária, guardou os recursos financeiros em sua conta bancária, também com o objetivo de ocultar a localização, disposição, movimentação e propriedade dos bens auferidos ilicitamente, distanciando de sua origem”.
Outra foto do jantar entre Bolsonaro, Cid, seu pai e outras pessoas
Outra foto do jantar entre Bolsonaro, Cid, seu pai e outras pessoas
Imagem: Reprodução/PF
A PF encontrou, no celular de Mauro Cid, uma foto que mostra um jantar dos dois com Bolsonaro em Nova York na data da entrega do dinheiro. O encontro ocorreu no dia 22 de setembro de 2022, no hotel Omni Berkshire Place. Bolsonaro estava na cidade para participar da Assembleia Geral da ONU.
O colaborador ajustou com seu pai, general Mauro Cesar Lourena Cid, que o saque dos U$ 68 mil ocorreria de forma fracionada e entregue à medida que alguém conhecido viajasse dos Estados Unidos ao Brasil; que o dinheiro seria entregue sempre em espécie de forma a evitar que circulasse no sistema bancário normal.
trecho do depoimento de Mauro Cid à PF.
Três parcelas
Segundo o general afirmou em seu depoimento à PF em 26 de março deste ano, foram três entregas. Uma delas por meio de seu filho, Mauro Cid, durante o encontro com Bolsonaro no hotel em Nova York, e as outras duas em fevereiro e março de 2023 por meio do assessor do ex-presidente, Osmar Crivelatti. Todos eles foram indiciados pela PF.
Nos dois repasses a Crivelatti, o auxiliar de Bolsonaro foi até a residência do pai de Cid. Mauro Lourena Cid morava em Miami e, em uma das visitas para receber o dinheiro em espécie, Bolsonaro estava acompanhando Crivelatti. Na segunda visita, o assessor do ex-presidente foi sozinho até a residência do general da reserva.
Trata-se da mais grave acusação contra Bolsonaro. De todas as linhas de investigação envolvendo o ex-presidente até agora, é somente neste inquérito que o delator Mauro Cid e seu pai relatam a entrega nas mãos de Bolsonaro de dinheiro em espécie desviado dos cofres públicos.
O general sabia que o dinheiro vinha de relógios, mas disse que nunca conversou sobre o assunto com ex-presidente. Mauro Lourena Cid afirmou que nunca conversou sobre as vendas dos relógios com o ex-presidente e disse à PF que não tinha atribuição de vender joias para o ex-presidente. Ele ainda afirmou que quando entregava o dinheiro em espécie para Crivelatti, afirmava que os valores pertenciam a Bolsonaro e que ele estava guardando.
Depoimento vai na mesma linha do apresentado por Mauro Cid. Em seu acordo de colaboração com a PF, Mauro Cid afirmou que teria combinado com seu pai de fazer as entregas dos US$ 68 mil a Bolsonaro de forma fracionada e sempre em espécie, para que a movimentação não aparecesse no sistema bancário.
Ouvido pela PF, o assessor de Bolsonaro confirmou a entrega de envelope. Osmar Crivelatti depôs no dia 27 de março deste ano e confirmou ter recebido um envelope com dinheiro do general da reserva quando esteve na casa dele, em Miami, junto com o ex-presidente Jair Bolsonaro.
Indagado sobre como se deu o repasse dos valores decorrentes da venda dos relógios PATEK PHILIPPE e ROLEX, respondeu que os valores foram repassados de forma fracionada conforme a disponibilidade de encontros com o ex-presidente Jair Bolsonaro; Que se recorda de ter repassado ao ex-Presidente Jair Bolsonaro uma parte do valor, quando de sua ida à cidade de Nova lorque para um evento da ONU; que repassou os valores quando visitou o ex-Presidente no hotel em que este se hospedava em Nova lorque; que repassou o dinheiro em espécie para seu filho Mauro Cesar Cid; indagado sobre como se deu o repasse dos valores, ao então presidente da República Jair Bolsonaro, por meio do assessor Osmar Crivelatti, respondeu que se recorda que repassou os valores em duas oportunidades, nos meses de fevereiro e março de 2023; que em uma oportunidade o ex-Presidente Jair Bolsonaro e seu assessor Osmar Crivelatti foram até a residência do declarante, na cidade de Miami; que o declarante repassou os valores ao assessor OSMAR CRIVELATTI; que na outra oportunidade o assessor Osmar Crivelatti foi sozinho até a residência do declarante e pegou parte dos valores decorrentes da venda dos relógios; indagado sobre o motivo de não ter repassado os valores diretamente para o ex-Presidente Jair Bolsonaro, respondeu que não sabe informar o motivo; que ressalta que não tinha conhecimento de que Jair Bolsonaro possuía conta em instituição bancária nos Estados Unidos.trecho do depoimento de Mauro Lourena Cid à PF
Indagado se o General Mauro Cesar Lourena Cid, no dia 28 de fevereiro, ao entregar um envelope, quando da ida do declarante juntamente com o ex-Presidente Jair Bolsonaro na residência de Lourena Cid, na cidade de Miami, informou que se tratava de parte do dinheiro de propriedade de Jair Bolsonaro, que estava sob custódia do general, respondeu que General Lourena Cid apenas informou ao declarante que o envelope era para ser entregue ao ex-presidente Jair Bolsonaro; Indagado sobre o motivo de o general Lourena Cid não ter entregue o envelope diretamente ao ex-Presidente, respondeu que não sabe informar o motivo; que achou estranho o fato de o general não ter entregue o envelope diretamente ao ex-presidente Jair Bolsonaro, já que ele estava presente no local; que no segundo encontro, o general ligou para o declarante e solicitou que ele fosse ate sua residência na cidade de Miami para entregar urn novo envelope; que da mesma forma, o general Lourena Cid informou que o envelope era para ser entregue ao ex-presidente Jair Bolsonaro, sem explicitar o motivo.
trecho do depoimento de Osmar Crivelatti à PF.
Cooperação com os EUA
A PF teve acesso aos dados da conta bancária de Lourena Cid em cooperação com os EUA. Ao cruzar as informações de movimentação financeira do general da reserva com as datas em que teriam ocorrido os repasses em espécie, a PF constatou que Mauro Lourena Cid fez saques bancários de sua conta no banco BB Américas que batem com a data do encontro com Bolsonaro.
A análise dos saques realizados na conta bancária de LOURENA CID a partir do dia 13 de junho (data do recebimento dos U$ 68 mil dólares) até o mês de setembro de 2022, quando o investigado viaja para a cidade de Nova Iorque para compor a comitiva presidencial, evidenciou a saída em espécie do montante de US$ 37.600,00 (trinta e sete mil e seiscentos dólares). O valor é compatível com a afirmação feita pelo colaborador MAURO CID, que revelou que LOURENA CID entregou, pessoalmente, cerca de US$ 30.000,00 (trinta mil dólares) em espécie, ao então Presidente JAIR BOLSONARO em Nova Iorque, no mês de setembro de 2022.
trecho do relatório final da PF. Por Mateus CoutinhoDo UOL, em Brasília