Por Ivan Martínez-Vargas – À frente da arquidiocese de Manaus, Dom Leonardo Steiner diz que não é a função de padres e bispos pedir votos. Nomeado cardeal pelo Papa Francisco em agosto, o religioso vê como ameaças à democracia brasileira o orçamento secreto e a ideia, ventilada por bolsonaristas, de aumentar o número de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Para ele, a proposta representa uma “tentativa de cooptar o Judiciário”.
O senhor sempre fala da importância de se preservar a Amazônia brasileira, mas a reputação do país na área ambiental piorou muito no governo Bolsonaro. Essa reputação condiz com a realidade?
A Igreja no Brasil se preocupa há muito tempo com a questão ambiental. Sabemos da agressão que está havendo ao meio ambiente no país, há dados científicos sobre isso. É uma preocupação geral, global. Até mesmo pessoas do agronegócio têm chamado a atenção e dito que, se continuarmos assim, não teremos mais chuvas em outras regiões, como o Centro-Oeste e o Sudeste. Não teremos água suficiente se continuarmos a devastar a Amazônia. A depredação da Amazônia preocupa. O Governo não tem feito muito coisa, eu diria que até tem incentivado, por meio das palavras, o descuido em relação à Amazônia.
Estamos em campanha eleitoral rumo ao segundo turno em um nível de polarização política inédita. Isso preocupa a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e o Papa?
A presidência da CNBB tem se manifestado, a assembleia (dos bispos) também. No mês de setembro se manifestou com um texto claro (que falava em risco à democracia). Mais recentemente, a CNBB fez uma declaração sobre o uso indevido da religião para fins políticos. O Papa Francisco está muito atento ao que está acontecendo no Brasil. O que preocupa é a violência com que se apresentam as notícias falsas. Isso é uma agressão à dignidade humana e à ética, deseja-se ganhar a parte da mentira e do engano. Passadas as eleições, precisamos fazer uma reflexão sobre onde estamos como sociedade. Desde a Lava-Jato começamos a perder o senso do que é a política.
O senhor já presenciou uma série de críticas à CNBB por parte da extrema direita, que chega até a acusar a entidade de ser “esquerdista” e “comunista”. Como responder a isso?
A CNBB sempre se manifesta de maneira equilibrada. Uma das preocupações principais da entidade sempre foi a questão da pobreza. Quando dizemos da necessidade dos pobres não serem colocados à margem, isso incomoda alguns. Quando a CNBB aponta esses elementos, ficam acusando de comunismo. Não se trata disso, e sim de (viver o) Evangelho. Está escrito no evangelho de Mateus: tive fome, e me destes de comer; tive sede, e me destes de beber; era estrangeiro, e me hospedastes; estava nu, e me vestistes. Eu estava na prisão e fostes me visitar”. Dom Helder Câmara (arcebispo de Olinda e Recife, notório defensor dos direitos humanos) era muito estimado, mas também muito criticado por alguns. Ele dizia: “Se dou pão aos pobres, todos me chamam de santo. Se mostro por que os pobres não têm pão, me chamam de comunista”. Penso que aí está a questão. Penso que essa crítica é ideológica.
O presidente Jair Bolsonaro fala, sem respaldo em evidências, que o país vive sob a ameaça do comunismo. Recentemente, o bispo emérito de Uruaçu (GO) declarou voto nele sob esse argumento, citando o comunismo. Como o senhor vê isso?
Essa não é a tarefa nossa, de bispos, nem de padres. Nossa tarefa sempre esteve muito clara, e é estimular as pessoas a votarem. Não é conveniente nem justo que usemos a religião do jeito que estão usando, não só entre católicos, mas também em outras igrejas.