O Superior Tribunal de Justiça (STJ) vai julgar ação que trata da autorização do cultivo de Cannabis medicinal nesta quarta-feira (13/11). ?A Primeira Seção da Corte incluiu na pauta a análise sobre a possibilidade de autorizar a importação de sementes e cultivo de Cannabis sativa com baixo teor de Tetrahidrocanabinol (THC), destinada à produção de medicamentos e outros subprodutos com fins exclusivamente medicinais, farmacêuticos ou industriais.
Os ministros analisarão o caso no Incidente de Assunção de Competência 16 (IAC 16), instaurado em 7 de março de 2023, que tem como relatora a ministra Regina Helena Costa. Ao aplicar um IAC, fixa um precedente, ou seja, casos parecidos deverão se basear na decisão desse caso. Até a solução da controvérsia, a Primeira Seção determinou a suspensão da tramitação de todos os processos semelhantes no país.
Em abril deste ano, o STJ promoveu audiência pública sobre o tema. Representantes de vários órgãos públicos e entidades privadas discutiram o assunto.
A relatora do caso afirmou, na ocasião, que a convocação da audiência pública se deu devido à relevância jurídica, econômica e social da matéria e teve o objetivo de subsidiar os membros da Primeira Seção com informações técnicas e científicas para o julgamento do IAC.
Preconceito contra Cannabis
Durante a audiência, o representante da empresa DNA Soluções em Biotecnologia Eireli, Arthur Ferrari Arsuffi, afirmou que esse tema enfrenta resistência em razão do desconhecimento e do preconceito. “O IAC trata da possibilidade de importação de sementes e de plantio de cânhamo industrial, que é uma variante da cannabis, mas que, diferentemente da planta usada como droga, somente tem potencial para uso farmacêutico, medicinal e industrial. Não se discute aqui a descriminalização das drogas”, frisou.
Arthur Ferrari Arsuffi sustentou que esses medicamentos têm se mostrado muito eficazes para o tratamento de várias doenças. Porém, o representante da empresa observou que, por conta da restrição regulatória, toda a matéria-prima precisa ser importada.
Legislação
Renata de Morais Souza, especialista da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), fez um apanhado da legislação sobre o assunto. Ela abordou as convenções das Nações Unidas de 1961 e de 1971, ratificadas pelo Brasil, que estabeleceram a proibição do uso da cannabis, exceto para fins médicos e científicos, e lembrou que a Lei de Drogas (Lei 11.343/2006) também permite o plantio para uso medicinal ou científico.
Também em nome da Anvisa, o gerente de medicamentos João Paulo Silvério Perfeito afirmou que é preciso mostrar que o uso medicinal e científico da cannabis é seguro, eficaz e de qualidade. “Hoje, há uma variedade enorme de produtos com composições diversas, usadas em apresentações diversas, para finalidade diversas, que nos coloca em uma posição desafiadora sobre as necessidades específicas de cada produto”, ressaltou.
O representante do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Bruno César Gonçalves da Silva, salientou durante a audiência que esse tema está dentro de uma questão mais ampla, que é a política de drogas.
Segundo ele, há um grupo de trabalho no conselho que aborda especificamente a questão da cannabis medicinal, em especial diante de casos de pessoas que enfrentam acusações criminais por cultivar a planta para fins medicinais. “Há pessoas com autorização para importar, mas não têm condições financeiras para isso nem conseguem pelo poder público o medicamento a tempo, e buscam a alternativa de cultivar, mas sofrem o risco de serem enquadradas na Lei de Drogas”, ponderou.
Importação
Representante do Ministério da Agricultura e Pecuária, Eduardo Porto Magalhães ressaltou que a pasta é a responsável pela fiscalização de qualquer importação de material vegetal, incluindo sementes. De acordo com as informações que prestou, atualmente não existe nenhum requisito para a importação das sementes de Cannabis sativa, o que configura a proibição de sua entrada no país.
O ministro do STJ Rogerio Schietti Cruz destacou, na audiência, a importância de debater o tema com olhar cuidadoso, sem nenhum tipo de preconceito e pautado na ciência. “Já passou do tempo de deixarmos de tratar o assunto como política criminal, devemos tratá-lo como uma política de saúde pública. Não é mais possível ver tantos brasileiros sendo perseguidos criminalmente por estarem cuidando de sua saúde”, completou Schietti.
Diferença da análise do STJ para a do STF
O julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) que descriminalizou o porte de maconha para consumo pessoal é totalmente diferente da análise no STJ. Em junho deste ano, colegiado diferenciou usuário de traficante e definiu que será presumido usuário quem adquirir, guardar, depositar ou transportar até 40 gramas de Cannabis sativa ou seis plantas fêmeas.
A maioria da Corte entendeu que o porte de maconha não é crime e deve ser caracterizado como infração administrativa, sem consequências penais. O que o STJ vai julgar nesta quarta-feira é a autorização do cultivo de cannabis medicinal e a possibilidade da importação de sementes e cultivo para produção de medicamentos.