Embora muitos acreditassem ser possível que os partidos de oposição chilenos iniciassem um processo de impeachment constitucional contra o presidente Sebastián Piñera após ser mencionado na investigação conhecida como “Pandora Papers” sobre paraísos fiscais, ninguém esperava que isso acontecesse tão rapidamente.
No domingo, 3 de outubro, o Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ) publicou o relatório, pegando de surpresa chilenos que não sabiam que seu presidente seria um dos 35 líderes mundiais nele citados.
No dia 4 de outubro, parlamentares da oposição falavam nos corredores sobre a possibilidade de um “impeachment” e alguns ousaram revelar a ideia à mídia, mas a ideia ainda parecia muito prematura.
Porém, na terça-feira, 5, um grupo de deputados formado por representantes de todos os grupos de oposição se reuniu durante horas em uma sala do Congresso e juntos decidiram apresentar um pedido de remoção de Piñera. Da tradicional esquerda do Partido Comunista à conservadora centro-esquerda dos democratas-cristãos, apertaram-se as mãos e deram o passo.
A coordenação da oposição e o fato de faltarem menos de dois meses para as eleições legislativas e presidenciais são dois fatores que geram incerteza na cena política e que preocupam o governo, cujos advogados já começaram a organizar a defesa perante o Congresso para evitar que Piñera se torne o primeiro presidente do mundo a ser deposto pelo escândalo do Pandora Papers.
Cenário complexo
Em novembro de 2019, um mês após a crise social de protestos massivos que colocaram em xeque o governo Piñera, a oposição apresentou uma acusação constitucional histórica buscando destituir o presidente, o que só aconteceu em 1956, quando a Câmara dos Deputados se negou a destituir o então presidente Carlos Ibañez (1952-1958).
Piñera foi acusado de ter responsabilidade política pelas violações dos direitos humanos cometidas pelas Forças Armadas ao reprimir as manifestações, mas a iniciativa não prosperou porque não encontrou pleno apoio no Partido Democrata Cristão (centro-esquerda).
Agora, o partido católico alinhou-se com a oposição e, se todo o setor votasse a favor, somaria 83 votos na Câmara dos Deputados, mais do que os 78 necessários. O pior para o presidente é que alguns deputados de sua própria coalizão não foram categóricos em sua defesa e alguns até o criticaram.
“É difícil acreditar que o presidente não sabia deste negócio, no qual todos os seus parentes diretos estão envolvidos”, disse Camila Flores, deputada do partido Renovação Nacional, no governo, à mídia local Chilevisión.