No Olimpo da Política, os homens julgam-se absolutos por ter domado a Fortuna para seus fins e dessa forma aparelhar o Estado para alavancar interesses privados afrontando valores e princípios republicanos em atenção ao bem-comum.
Ledo engano.
A Fortuna é uma bela deusa romana, segundo Maquiavel, capaz de se deixar seduzir pelos iniciados para os prazeres do acaso marcado pelo fogo da paixão, reduzindo os pretensos deuses em serviçais da sua vontade.
Se assim fosse, os atores políticos não responderiam pelos seus atos porque projetariam para o Olimpo toda e qualquer responsabilidade.
A Fortuna é a própria política que tem como objeto a disputa pelo poder.
É nesse contexto de tensão e medo, tristeza e alegria, que as relações de poder são construídas e apresentadas num cenário aparentemente normal enquanto nos bastidores e nas articulações a guerra, o crime, a volúpia ganham corpo para assegurar o controle do Estado e dessa forma dominar a política se projetando como liderança para arrebatar do povo seu consentimento nas urnas, assegurando, dessa, a legitimidade do poder no Estado Democrático.
É nesse enredo que o ex-governador José Melo foi entronizado, sabendo das limitações e dos riscos que corria quando resolve disputar as eleições para o governo do Estado.
Nesse rito de iniciação a paixão não fora domada e como se fosse uma besta no cio, canta-nos o cancioneiro popular, a política perde a grandeza do bem-comum da felicidade pública e é reduzida aos interesses familiares e corporativos afrontando os interesses das oligarquias dominantes que reina no Olimpo como senhoras da política no Amazonas.
Nesse reino os atores são todos cúmplices, não tem santo.
Quando contrariados em seus interesses privados ou da corporação que os sustentam recorrem a todos os meios para dar cabo da força oponente e com isso assegurar para si e aos seus as benesses do poder jogando para os desavisados os restos do banquete em formas de programas sociais com diversas logomarcas do mercado político eleitoreiro.
O jogo é pesado, requer inteligência e sabedoria, competência e habilidade.
E, se não houve, o pobre diabo da política será execrado como tem sido o ex-governador José Melo que, seduzido pela deusa Fortuna, volta ao altar da política para exorcizar os seus fantasmas na expectativa de ser contemplado pela vontade popular, considerando que o tempo é implacável e seus movimentos podem desandar para fins incertos e não sabidos.
Desse modo, depois de perder o mandato de governador por duvidosa compra de votos, além de ser jogado no fundo de uma cela por suposto envolvimento com a quadrilha comandada por Mouhamad Moustafa, responsável pelo desvio mais de R$ 200 milhões da saúde, a José Melo parece não restar outra saída que lhe permita recuperar o nome e 42 anos de vida pública jogados no esgoto.
Em mais de três horas de conversa com a reportagem do site, o ex-governador falou o que o que era possível falar e o que não era, como informações detalhadas de processos que correm em segredo de justiça que vão além “do que possa imaginar nossa vã filosofia”.
“Nesse reino os atores são todos cúmplices, não tem santo. Quando contrariados em seus interesses privados ou da corporação que os sustentam recorrem a todos os meios para dar cabo da força oponente e com isso assegurar para si e aos seus as benesses do poder (…. )” parágrafo 9 e 10.
Falar dos 42 anos de vida pública, da cumplicidade com o poder até chegar a ele; falar dos 133 dias no cárcere ou dos 1140 dias com tornozeleira não foi tão difícil como descrever o primeiro contato com o público depois da prisão. “Fui chamado de ladrão da saúde”, lembra com lágrimas nos olhos.
Esse é o x da questão.
José Melo sabe que por mais que a sua inocência seja aceita em todas as instâncias ele sabe, também, que a justiça jamais vai apagar todo o “mal que lhe fez”.
“A Fortuna é a própria política que tem como objeto a disputa pelo poder(….) enquanto nos bastidores e nas articulações, a guerra, o crime, a volúpia ganham corpo para assegurar o controle do Estado e dessa forma dominar a política(….)”.
Apesar dos infortúnios da prisão (esquecimento, constrangimento) – jamais comparados, claro, aos sofridos por Dostoievski na Sibéria, que era contra a servidão de classe e defendia a revolução -, José Melo não tem se preocupado com as feridas que ainda lhe maltratam a alma.
O tempo, segundo ele, se encarregará de cicatriza-las.
Já a dignidade manchada pela incúria de seus julgadores – polícia, Ministério Público e justiça -, que lhe tiraram com intrépida frieza e sem provas palpáveis o mandato de governador e o colocaram na cadeia por acreditar no fantasioso comentário de um falastrão – em mensagem de Whatsapp Mouhamad Moustafa dizia que acabava de sair de sua casa -, Melo diz não que conta nem com o tempo tampouco com remédios produzidos pela sordidez de seus algozes.
“Como podem apagar todo o mal que me fizeram? Impossível. Que tenham então a grandeza de restituírem a minha dignidade”.
“É nesse enredo que o ex-governador José Melo foi entronizado, sabendo das limitações e dos riscos que corria quando resolve disputar as eleições para o governo do Estado” (parágrafo 7).
José Melo é um sonhador. Filho de seringueiro, nascido em Eirunepé, sonhou com a cidade grande, com escola para estudar e ser professor. Conseguiu bem mais que isso, foi secretário de Educação, deputado e governador do Amazonas.
Sonhar com a dignidade restituída, incólume, sem remendos, não é demais tentar.
“A Fortuna é uma bela deusa romana, segundo Maquiavel, capaz de se deixar seduzir pelos iniciados para os prazeres do acaso (…)”, parágrafo terceiro.