A diarista Ilza Ramos Rodrigues, exposta a uma humilhação repugnante pelo produtor rural empresário Cássio Cenali ao dizer que votaria em Lula, deu entrevista a Mônica Bergamo, da Folha.
Ocorrida na semana passada, a cena viralizou depois de ser divulgado pela conta dos Jornalistas Livres no Twitter no sábado.
“Fiquei sem ação. O jeito que ele falou mexeu com a minha mente, não é brincadeira. O que ele fez foi me humilhar. Só porque ele tem dinheiro, tem o carrinho dele, ele quis me humilhar com essa ação. Eu não posso nem ver [o vídeo]”, afirmou. “Mexeu muito no meu psicológico.”
Diz a coluna:
Ilza afirma que começou a receber as marmitas durante a pandemia de Covid-19. Elas eram enviadas por um senhor para o qual prestava serviços de faxina, morto recentemente. “Não tinha nada de eleição, era o coração dele”, conta. Desde então, as quentinhas passaram a ser levadas até a sua casa pelo empresário Cassio Cenali, a quem ela diz mal conhecer.
“Ele trazia [as refeições] todas as quartas. Ficava para mim e dava para duas famílias. Esse homem que eu não esperava, eu nem sabia o nome dele, entregava e ia embora. Até que na semana passada ele mandou eu segurar a caixa com a mão: ‘Dona Ilza, vou gravar’”, diz.
“Pensei que ele ia gravar para uma ONG, até falei: ‘Nossa, moço, tô tão mal arrumada’. ‘Mas não tem problema’ [respondeu o empresário]. Na hora ali, ele começou: ‘É Bolsonaro’. Fiquei com a caixa na mão. E ele gravando, na minha cara”, continua.
Ela conta que temeu ser exposta desde o momento em que foi abordada pelo apoiador do presidente da República. “Fiquei desesperada, fiquei nervosa. Liguei para a minha irmã: ‘Você não sabe o que aconteceu. Ele vai pôr a minha imagem no Face, vão tirar sarro de mim’.”
Num primeiro momento, a diarista acabou sendo tranquilizada por familiares. Uma delas era a balconista Rosana Ramos Rodrigues, sua irmã. “Achei que ele não ia fazer isso porque ia dar ruim. As pessoas não iam gostar, ele estava negando alimento para o mais humilde”, afirma. (…)
Ilza conta que não recebeu um pedido de desculpas do empresário pessoalmente. Afirma, ainda, que tenta digerir todos os acontecimentos das últimas 24 horas. “Estou paralisada”, diz. “Mas Deus é tão bom que, o mal que ele fez, Deus transformou em bênção. Tanta gente no mundo inteiro que está vendo e me dando carinho.”
A onda de solidariedade prestada à diarista incluiu desde manifestações de políticos e figuras públicas à doação de cestas básicas pelo MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), que se comprometeu a fornecer mantimentos para Ilza por seis meses.
Após mostrar, por vídeo, os alimentos recebidos neste domingo e acomodados em sua cozinha, a diarista abre um sorriso largo. “Hoje mesmo eu não tinha o que comer”, explica.
“A gente passa necessidade, não vou falar que não passa. Mas não estou querendo dar de coitada. Eu ganho as coisas das pessoas, mas faço faxina. Tem várias vezes que eu trabalho a troco de cesta básica. Eu gosto do meu serviço, então faço isso.”
Questionada se pretende repensar seu voto no ex-presidente Lula após o episódio com o empresário, ela abre outro sorriso largo. “Se eu vou deixar? Não, eu vou votar nele!”, diz, rindo. E comemora o fato de o petista ter prestado solidariedade a ela. “Menina, eu queria tanto falar com ele”, afirma Ilza à reportagem. “Se eu pudesse, até abraçava”, emenda, gargalhando.